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sexta-feira, 22 de abril de 2016

BLUES 2


falando de BLUES



Os anos 60 foram marcados por diversos eventos ligados ao rock que mudaram a história da música pop. Quero abrir este texto citando dois deles: Bob Dylan sendo massacrado pelos fãs de folk ao eletrificar sua guitarra em 1965 e Jimi Hendrix, dois anos depois, chocando o mundo ao tocar guitarra com os dentes ou segurando o instrumento atrás da cabeça.
Estes eventos marcaram uma época? Sim. Mudaram a história da música? Sem dúvida. Quando você observa o rock nos anos 60, você vai além de um estilo musical e mergulha num fenômeno cultural e social gigantesco, que praticamente resume a música ocidental da época.
Essas histórias se tornaram lendas do pioneirismo da época, mas — sem tirar o mérito delas — parte disso se deve ao fato de que a maior parte das pessoas sequer ouviu falar de T-Bone Walker, um dos blueseiros mais importantes da história, reverenciado como uma espécie de deus por dez entre fez guitarristas de blues…
E praticamente desconhecido do público casual.
Na verdade, esse é um grande problema do blues. Todo gênero musical tem nomes que ultrapassam a fronteira dos fãs e se tornam conhecidos do grande público. Isso também acontece com o blues, claro, mas numa proporção muito menor, já que a maior parte dos seus ícones pertence ao passado. A única exceção que vejo é BB King, que se tornou quase uma marca.
Mas outros grandes nomes, como Muddy Waters, Bessie Smith, John Lee Hooker, Robert Johnson e tantos outros ficam numa espécie de degrau intermediário. Eles vão além dos fãs, mas nunca chegam ao público casual, que muitas vezes nem ouviu falar deles. São nomes que, para conhecer, uma pessoa precisa ter interesse por música — e, até onde enxergo, interesse por música vai além de “ouvir o que está na moda”.
E, entre os gigantes do blues, T-Bone Walker está entre os mais difíceis de ser descoberto. Quando comecei a ouvir blues, encontrava facilmente os grandes nomes do gênero em textos de internet e coletâneas que pegava aqui e ali. Mas só fui conhecer T-Bone Walker quando comecei a vasculhar sites especializados, com textos e vídeos mais profundos sobre o tema.
E foi quando eu percebi que havia descoberto um tesouro.
“Quando ouvi T-Bone Walker,
achei que Jesus Cristo tinha voltado para a Terra
tocando guitarra elétrica.”
(BB King)
Figura carimbada entre as listas dos guitarristas mais influentes de todos os tempos, T-Bone Walker foi o primeiro blueseiro a ligar sua guitarra num amplificador, ainda no começo dos anos 40 — já procurei qual foi a data exata disso, mas nunca encontrei — dando origem ao blues elétrico urbano, que revolucionaria o gênero e seria o grande pilar da invenção do rock. E isso mais de vinte anos antes de Bob Dylan ser massacrado pelos fãs ao fazer o mesmo.
Ah, então Bob Dylan ligou sua guitarra elétrica no amplificador apenas por causa de T-Bone Walker? Não, evidente que não. Muita água rolou embaixo dessa ponte. E, além disso, a decisão de Dylan me parece mais estética, enquanto a de Walker era puramente comercial: ao tocar em lugares com um público maior que o de um boteco de estrada — ou juke joint, como se chama no Sul dos Estados Unidos — os blueseiros começaram a perceber que sua música não seria ouvida a não ser que fosse tocada num volume mais alto. Mas sim, sempre que você ler que Bob Dylan foi o primeiro cantor de folk a fazer isso, lembre-se que T-Bone Walker fez isso antes (e que o blues, em sua essência, é um gênero de música folk).
Então vamos aproveitar e já tirar da frente a outra história que usei na abertura do post. Jimi Hendrix começou a tocar guitarra com os dentes por causa de T-Bone Walker? Bem, neste caso, sim. O próprio Hendrix, fã de Walker, admitia que copiou o truque, que era uma das marcas registradas do blueseiro do Texas nos palcos. Walker era um showman muito à frente do seu tempo — lembre-se que estamos falando dos anos 40, e ainda se passaria uma década até as pessoas se chocarem ao ver Elvis rebolando na televisão. Acho que a foto abaixo mostra tudo.
Mas a influência de Walker vai além dos truques de palco e de ligar a guitarra no amplificador — sendo que, esta última já seria enorme, por criar todo o fundamento do blues dos anos 50. Além de servir como influência confessa para Chuck Berry, BB King e Eric Clapton, ele é considerado o inventor do solo de guitarra como conhecemos hoje, pensando em termos de construção. Ou seja, muitos solos de rock nasceram ali, nas mãos do texano.
Para se ter uma ideia do quanto Walker estava avançado, basta ouvir essa música abaixo para perceber que, já nos anos 40, ele estava tocando algo muito mais próximo do rock dos anos 50 que do blues das décadas anteriores.
Mas não podemos nunca deixar de lado que Walker era, antes de tudo, um cantor de blues, e as grandes preciosidades de sua carreira estão nas canções mais arrastadas. Boa parte de sua obra tem aquele ar de fim de noite com letras coloridas que, graças ao som doce de sua guitarra, ganham corpo e suavidade ao mesmo tempo.
Antes de irmos para a obra-prima dele, quero mostrar para vocês a minha preferida: a deliciosa Blues is a Woman, que tem um começo que se encaixaria em qualquer coletânea de jazz, mas que depois abre espaço para sua guitarra.
A letra traz um tema que está entre os preferidos da história do blues: o blues em si. E a primeira estrofe usa uma simplicidade brilhante para resumir sua ideia — valendo tanto para o blues como para a mulher do título — que já deixa claro: Walker pode ser um dos pais do rock, mas sua alma é toda feita de blues.
“O blues é uma mulher
Aquela mulher que é minha.
Eu estou feliz quando ela está por perto
E triste quando estou sozinho.”
(T-Bone Walker — Blues is a Woman)
Certo. Mas agora vamos da grande música de T-Bone Walker, que talvez até mesmo muita gente que não o conheça já tenha escutado alguma vez — e não necessariamente na versão original, já que é um daqueles blues standards regravados por Deus e o mundo.
Emocionalmente, ela é quase uma antepassada de Friday, I’m in Love, do The Cure, ao descrever uma semana dia a dia, mostrando como tudo é horrível de segunda à quinta. Mas, se na canção do The Cure o narrador simplesmente não dá valor aos dias úteis e entediantes, em Call It Stormy Monday (But Tuesday is Just as Bad) — que muitas vezes aparece como Call It Stormy Monday ou mesmo Stormy Monday — os dias entre segunda e quinta-feira precisam ser enfrentados pelos narrador. Ele não tem escolha.
Sua redenção vem na sexta-feira: é o dia que recebe seu salário e sai para festejar (usando a metáfora “a águia voa”, parecida com de Nobody Knows You When You’re Down and Out). Gasta seu dinheiro nas noites de sexta e sábado — o verso “Saturday I’ll go out to the play” pode ser interpretado como “saio para me divertir”, mas eu pessoalmente prefiro a leitura “play (the blues)” — até encerrar a semana no domingo, dia em que vai até a Igreja para “se endireitar” e começar tudo de novo.
É uma música que fala com toda e qualquer pessoa, usando elementos clássicos do blues como antídotos para a dureza do cotidiano: a farra, onde se gasta o dinheiro suado para fazer com o emprego tenha algum sentido além de pagar as contas; a música, que alivia e tranquiliza a alma; e a igreja, onde se pede por uma vida melhor (que fica explícito no “Deus, tenha piedade” ao final da música).
Mas nunca somos atendidos e o inferno começa novamente no dia seguinte, na segunda-feira tempestuosa.
Link YouTube
É um dos maiores hinos do blues, pois consegue resumir o cotidiano não apenas do blueseiro mas também do homem comum, e com uma genialidade brilhante, deixando claro algo que sempre defendi: o blues não é sobre estar triste, e sim sobre querer estar feliz amanhã — mesmo sabendo que as chances disso acontecer são pequenas.
Não é à toa que o biógrafo de BB King, David McGee, declarou certa vez que a canção “é o Monte Rushmore da história do blues”. Stormy Monday não é apenas uma canção, é um monumento do blues. E o próprio BB King, por sua vez, dizia que foi essa canção que fez com que ele decidisse ligar sua guitarra no amplificador e começar a tocar o blues elétrico que o tornaria famoso. E isso está longe de ser pouco.
Mesmo se T-Bone Walker não tivesse feito nada além dessa canção, seu nome já estaria na história do blues — e da música como um todo. Mas ele fez muito mais que isso. Dizer que muito da música moderna tem sua base no blues da primeira metade do século passado é chover no molhado. Mas é interessante ver como boa parte desse pensamento passa por T-Bone Walker, um sujeito que merecia ser mais lembrado.
“Eu vim para este mundo cedo demais.
Diria que cerca de trinta anos antes do meu tempo.”
(T-Bone Walker)

Clique e Ouça : Música para Conhecer

Mean Old World — É seu primeiro compacto de sucesso — e o primeiro com a guitarra elétrica — e traz uma letra que coloca o quanto o mundo é difícil de uma forma bem ampla, dividindo, em três estrofes, a causa do problema (o amor não correspondido), como o blueseiro lida com ele (bebendo) e qual é a única saída possível (a morte). Sim, é uma letra bem amarga, como o verso “Eu bebo para não me preocupar e sorrio para não chorar” deixa claro .
Cold Cold Feeling — Outra letra que é mais pesada que aparenta. O “cold cold feeling” do título é como o narrador se sente a respeito de todos que o prejudicam — seja no amor ou não. ou seja, ele lida com essas pessoas com frieza, e sempre que sente isso, as coisas não vão acabar bem.
Bobby Sox Blues — Ah, o blues e suas metáforas. Aqui, a música é sobre uma garota, provavelmente ainda jovem — bobby sox é uma variação de bobby socks, aquelas pequenas meias brancas usadas por garotas adolescentes nos anos 40 e 50. E fica claro que o tema da música é uma adolescente que o narrador vai abandonar porque não aguenta mais sua futilidade, já que ela pensa o tempo inteiro pensando em “palco, cinema e rádio” — ou seja, celebridades.
Go Back to the One you Love — Uma música que começa mais sensual do que a letra promete. O tema é clássico: “se você não consegue me amar, volte para quem você ama”. É uma boa maneira de entender o talento de Walker como guitarrista, com uma introdução instrumental que dura mais de um minuto, algo impressionante para uma canção com pouco mais de três minutos.
Street Walking Woman — É uma música um tanto quanto ousada por mostrar uma inversão de papeis aqui. Toda mulher má do blues é mentirosa, traiçoeira e egoísta… Mas ela nunca é de beber até cair — esse papel é normalmente reservado ao homem (mais uma vez, voltamos ao texto da semana passada, sobre Bessie Smith). Aqui, T-Bone Walker confessa que não aguenta mais a mulher que sai toda manhã e volta no final do dia com a cara cheia de cachaça, enquanto ele trabalha.
I’m Waiting for your Call — “Não importa quantas vezes você me deixou falando e disse que não se importa: eu ainda amo você e estou esperando sua ligação. E eu rezo para que você volte para casa um dia.” Tem como ser mais triste que isso? Tem. O jeito que T-Bone Walker canta é de uma melancolia que chega a doer na alma.
Long Skirt Baby Blues — Como todo blueseiro, T-Bone Walker tem uma queda por mulheres fáceis, de preferência com pernas longas e à vista. Por isso, fica enlouquecido quando sua garota começa a usar saias maiores, dizendo que essa é a moda — e ele responde dizendo que “ao invés de estar avançando, você está voltando para o tempo dos cavalos e charretes”.
Party Girl — É quase uma extensão de Street Walking Woman, mas com um final mais pesado, deixando claro que a garota não consegue mais parar de beber e está visivelmente acabada, com problemas com a polícia e perto do seu fim.
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Poeta Caio Lucas - Não me esqueça -

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